terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Aceitem toda a sorte de Cruzes

Caros Amigos da Cruz, decidi-vos a carregar toda a espécie de cruzes, sem fazer exceções ou escolhas: pobreza, injustiças, fracassos, doenças, humilhações, contradições, calúnias, aridez, discriminações, solidão, sofrimentos interiores e exteriores... e dizei sempre: "O meu coração, ó Deus, está firme, o meu coração está firme". Estai, pois, preparados a serdes abandonados pelos homens e pelos anjos, como se fosse o próprio Deus a por-vos de lado; estai preparados a serdes perseguidos, caluniados, destituídos e colocados de lado, por todos; a sofrer fome, sede, mendicidade, nudez, exílio, prisão, o patíbulo e toda a espécie de suplícios, ainda que não os tenhais merecido pelos crimes que vos atribuem.
E como se tudo isso não bastasse, imaginai que, depois de terdes perdido todos os bens e a própria honra, depois de serdes expulsos da vossa própria casa - como aconteceu com à rainha Isabel da Hungria - vos joguem ainda na lama, como aconteceu a essa santa, e vos arrastem para cima de uma estrumeira, como a jó "que era uma lepra maligna, desde a planta dos pés até ao alto da cabeça" e tudo isso sem que vos deem nem ligaduras para apertar as chagas nem um naco de pão para comer -coisas que não se recusariam a um cavalo ou a um cão; imaginai ainda que, além de sofrerdes todas essas provações, Deus vos deixe ainda prisioneiros de todas as tentações diabólicas, sem derramar na vossa alma nem sequer a mais leve consolação sensível.
Pois bem, crede firmemente que reside aqui o ponto supremo da glória de Deus e a felicidade perfeita a deve aspirar o autêntico e verdadeiro Amigo da Cruz.

S. Luis de Montfort (Carta aos amigos da Cruz)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O amor pelo escravo

A história narra-nos um caso de um amor tão prodigioso que será a admiração de todos os séculos. Havia um rei, senhor de muitos reinos, que tinha um único filho, tão belo, tão santo, tão amável, que, sendo o encanto de seu pai, este o amava como a si mesmo. Ora, este príncipe se afeiçoou grandemente a um escravo e tendo este cometido um delito, pelo qual fora condenado à morte, o príncipe se ofereceu a morrer por ele. O pai, amante apaixonado da justiça, resolveu condenar o seu amado filho à morte, para livrar o escravo do castigo merecido. E assim aconteceu: o filho morreu justiçado e o escravo ficou livre.
Este caso, que uma só vez se deu e nunca mais se repetirá no mundo, está consignado nos santos evangelhos, onde se lê que o Filho de Deus, o Senhor do universo, vendo o homem condenado à morte eterna por causa do pecado, quis tomar a natureza humana e pagar com sua morte e pena devida pelo homem. "Foi oferecido porque ele mesmo o quis (Is.53,7)". E o Eterno Pai o fez morrer na cruz para nos salvar a nós, míseros pecadores. "Não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós" Que vos parece alma cristã, este amor do Filho e do Pai?
Amado redentor meu, quiseste então com vossa morte sacrificar-vos para obter-me o perdão. E que vos darei em reconhecimento? Muito me obrigastes a amar-vos, muito ingrato serei se não vos amar com todo o meu coração. Vós me destes vossa vida divina; eu, mísero pecador, vos consagro a minha vida. Ao menos a vida que resta quero empregá-la exclusivamente em amar-vos, obedecer-vos e dar-vos gosto.

Jesus é preso e amarrado

"Levantai-vos, vamos: eis que já está perto quem me há de trair"(Mc 14,42). Sabendo o Redentor que Judas juntamente com os judeus e soldados que o vinham prender já estavam perto, levanta-se ainda banhado no suor de sua morte, com o rosto pálido mas com o coração inflamado em amor, vai ao encontro para entregar-se em suas mãos, e vendo-os reunidos, pergunta-lhes: A quem buscais? Imagina, minha alma, que Jesus te pergunta do mesmo modo: Dize-me, a quem buscas? Ah, meu Senhor, a quem eu procuro senão a vós, que vieste do céu à terra em busca de mim, para que não me perdesse? "Prenderam a Jesus e o Ligaram" (Jo.18).Ó céus, um Deus amarrado! Que diríamos, se víssemos um rei preso e acorrentado por seus criados! E que devemos dizer então, vendo um Deus entregue às mãos da gentalha? Ó cordas felizes, vós que ligastes o meu Redentor, prendei-me também a ele, mas prendei-me de tal modo que eu não possa separar-me mais de seu amor; prendei o meu coração à sua vontade santíssima, para que de agora em diante não queira nada mais senão o que Ele quer.
Contempla, minha alma, como uns lhe põe as mãos, outros o ligam, estes o injuriam, aqueles o batem, e o Cordeiro inocente se deixar atar e esbofetear à vontade deles. Não procura fugir de suas mãos, não pede auxílio, não se queixa de tantas injúrias, não pergunta porque o maltratam assim. Eis realizada a profecia de Isaías: Foi oferecido porque Ele o quis e não abriu a boca, como uma ovelha será conduzido ao matadouro (Is.53). Não fala e não se lamenta, porque ele mesmo já se oferecera à justiça para satisfazer e morrer por nós e assim deixou-se conduzir à morte qual ovelha, sem abrir a boca.
Olha como, preso e circundado por aqueles homens, é arrastado do horto e conduzido às pressas aos pontífices na cidade. E onde estão seus discípulos? que fazem? Se, não podendo livrá-lo das mãos de seus inimigos, ao menos o acompanhassem para defender sua inocência diante dos juízes, ou então para consolá-lo com sua presença! Mas não. O evangelho diz: Então seus discípulos, abandonando-o, fugiram todos. Que dor não sentiu então Jesus, vendo-se abandonado e deixado até por aqueles que lhe eram caros! Jesus viu então todas as almas que, mais favorecidas por ele, deveriam depois abandoná-lo e voltar-se ingratamente as costas. Ah, meu Senhor, minha alma foi uma dessas infelizes que, depois de tantas graças, luzes e convites recebidos de vós, esqueceram-se ingratamente de vós e vos abandonaram. Recebei-me, por piedade, agora que arrependido e contrito a vós me volto para não vos deixar mais, ó tesouro, ó vida, ó amor de minha alma.