sábado, 22 de abril de 2023

 



Duc in altum...  (Lc.5,4)

Faze-te ao largo, diz o texto, mas numa versão mais popular, estamos acostumados a ouvir: "avancem para as águas mais profundas".

Penso que aqueles que estão na igreja envolvidos em movimentos ou pastorais, já ouviram algum sermão sobre esse texto. Aqueles que participam ou atuam na Renovação Carismática Católica certamente  já ouviram ao menos uma pregação com esse texto ou já pregaram sobre esse texto. Um texto usado em momentos em que se que despertar os ouvintes ou leitores para a missão.

Esse texto é usado quase sempre para argumentar que devemos ir um pouco mais adiante, devemos ir além, devemos fazer mais do que temos feito.  E não só argumenta-se que devemos ir ou fazer, mas que podemos ir e fazer mais e que diante das situações atuais, nós cristãos temos de nos entregar mais, nos consagrar mais, nos doar mais, investir mais, enfim: "duc in altum,  uma ordem: avancem para as águas mais profundas"...

Somos nesses momentos levados a refletir sobre a sociedade atual e que temos de ir além, irmos para as realidades da sociedade para aí pescar almas....

Mas quero aqui trazer uma reflexão com uma visão um tanto controversa e  me perdoem os teólogos ou exegetas de plantão, mas sigo com o mesmo tema; Duc in altum; acompanhe-me na reflexão....

- Jesus deu uma ordem: "Faze-te ao largo" ou  "Avancem para as águas mais profundas". Onde Jesus disse isso e a quem Jesus disse isso?

Eles estavam à margem e Jesus disse a Pedro, um  experiente pescador.

Quando disse a um pescador  estando à margem para ir para as águas mais profundas, Jesus não estava dando um ordem para fazer algo além do que Pedro já estava acostumado a fazer, visto ser Pedro um pescador experiente. Partindo então dessa ideia penso eu que podemos aqui construir uma reflexão interessante, pois estamos em uma época em que todos cobram de nós que sejamos extraordinários, que sejamos proativos, dizem que temos de fazer a diferença. E isso tanto no mundo profissional como também na Igreja. As crianças hoje já sofrem a pressão de serem as melhores, até mesmo as propagandas de escolas particulares dizem que preparam os seus alunos para as melhores faculdades. Nas empresas você tem dar o seu melhor... E dizem ainda que podemos chegar onde queremos visto que só de depende de nós. Alguns professores chegam a dizer que você é quem escolhe onde você quer trabalhar  e o quanto você quer ganhar, visto que "você pode, você é capaz" e no fim temos hoje um grande número de deprimidos que descobrem  entre duras penas que não é assim que funciona a vida...

Também na Igreja, falsos profetas anunciam: "o Senhor está levantando aqui pregadores, missionários, ministérios..." e mais: "estou lançando uma palavra profética para sua vida, você vai vencer, a promessa vai se cumprir, está demorando só porque Deus está caprichando..." e segue: "Deus te escolheu para obra, Deus tem um propósito para sua vida, você é um escolhido.." 

Tudo isso tem gerado a chamada sociedade do cansaço...

Mas voltando ao nosso texto: Duc in altum.

Penso que a frase dita por Jesus, poderia ser dita da seguinte forma  (e me perdoem novamente os teólogos de plantão): "Pedro, leve o barco até onde você está acostumado a pescar", Pedro agora sob minha ordem faça o que você já fazia antes...

Como certa vez li em algum livro: "Talvez quando começarmos a viver a fé na  vida comum, o extraordinário começará a acontecer".

Jesus não pediu para Pedro algo extraordinário, mas pediu o comum. 

Minha reflexão então é que hoje muitos estão fugindo da vida comum como que caindo em uma armadilha, querendo viver algo extraordinário, fantasioso, a ponto de alguns terem problemas familiares com seus cônjuges ou com seus filhos, visto que se imaginam em dar voos tão altos, sem terem asas para tanto.

Já vi casais sofrendo, já vi pais sofrendo com seus filhos, já vi muitos que passaram por mim em alta velocidade em "ministérios" dentro da igreja acabarem ou voltando para a vida velha de pecados ou ficando frustrados e deprimidos, quando não revoltados com a igreja e com os irmãos...

Não estou dizendo que não exista chamados para ministérios específicos, de maneira nenhuma estou afirmando isso, mas estou aqui levantando a bandeira de que não só podemos, mas devemos viver o evangelho, com todo seu poder, com tudo o que graça do batismo no Espírito Santo nos proporciona, na vida comum...

Ah! quando nós, todos nós, batizados e batizados no Espírito Santo, começarmos a ser santos em casa, santos no trabalho, santos na escola, ou seja, na vida comum, e aí na vida comum começarmos a orar por curas e milagres, aí na vida comum começarmos a sermos de verdade testemunhas, carregando a cruz do dia a dia, com paciência e alegria.... penso que coisas extraordinárias começarão a acontecer...

Mas é comum dos cristãos carregarem a "cruz" todos os dias...  Se vivermos  uma vida de fantasia na fé, a hora quem que o sofrimento bater em nossa porta, a hora em que a cruz pesar, seremos apenas pessoas frustradas...

Avancemos para as águas mais profundas, vamos sair das margens e vamos para nossa vida comum cheios do Espírito Santo... nesses lugares onde todos nos conhecem ( e talvez esse seja o problema para alguns), aí  onde antes já era o comum de nossa vida, mas agora  nós vamos viver o comum sob a ordem de Jesus.... então tudo será diferente. Era muito comum para os discípulos experimentarem o extraordinário todos os dias...